Papo com Zara: O dia em que joguei com Roberto Carlos

Revelado pelo União São João de Araras, Roberto Carlos foi um dos maiores laterais-esquerdos do futebol mundial. Vestiu camisas de times como Palmeiras, Inter de Milão, Real Madrid, Fenerbahçe, Corinthians, Seleção Brasileira e… Amigos do Liberal.

Isso mesmo: Roberto Carlos jogou pelo time do tradicional jornal de Americana. Foi em dezembro de 1992 e, acreditem, tive a honra de jogar a seu lado – jogar é um termo até certo ponto exagerado e pretensioso da minha parte; digamos que estive em campo com ele.

Vamos aos fatos. Durante as duas décadas em que trabalhei no O Liberal, todo final de ano a tradição era armar um time para jogos de confraternização contra o Sekabar, uma das mais tradicionais equipes do futebol de Americana, e a Divisão de Esportes do Decet, que era o departamento da prefeitura que cuidava do esporte da cidade.

O time levava o nome Amigos do Liberal porque do jornal mesmo só eu e o também jornalista Ju Jensen jogavamos. E jogavamos não necessariamente porque eramos os melhores da Redação, mas fundamentalmente porque nós dois corríamos atrás de tudo: convidar jogadores, ligar confirmando presença, arrumar uniforme, contratar arbitragem etc.

Em 1992, o jogo contra o Sekabar foi marcado para o dia 12 de dezembro, no Parque Dona Albertina, em Carioba. Como sempre, era um tal de liga pra um, liga pra outro, a fim de formar um time em condições de encarar o tradicional adversário, que mantinha uma base ao longo do ano, pois jogava sagradamente todo sábado à tarde.

Na semana do jogo, toca o telefone na Redação do O Liberal. Não lembro quem atendeu, mas transferiu a ligação pra mim. Do outro lado da linha, o glorioso Mineiro do Zanaga, personagem do futebol amador de Americana. Depois das saudações iniciais, começa o papo:

– Zaramelo, se você quiser, trago o Roberto para jogar sábado pra vocês.

– Roberto?! Qual Roberto?

– Roberto Carlos.

– Do União São João e da seleção?!

– Isso, ele mesmo!

– Você tá de brincadeira, né, Mineiro…

– Tô não. Ele é meu amigo.

– Se é sério mesmo, fala com ele e depois me avisa.

Não vou mentir. Não botei fé no Mineiro e achei que ele estava de sacanagem comigo. No dia seguinte, ele liga de novo e diz que estava tudo certo. Que Roberto Carlos estaria em Americana. Confesso que fiquei com a pulga atrás de orelha – quem me conhece sabe o quão cismado sou com esse tipo de situação.

Na sexta-feira, véspera do jogo, estava escrevendo a matéria para ser publicada na edição do sábado. E ai a dúvida ficou ainda mais intensa: divulgo que o Roberto Carlos vem?

Na minha cabeça de jornalista morava o perigo, pois a presença do lateral-esquerdo titular da seleção brasileira com certeza levaria muita gente ao campo de Carioba. A questão: divulgo e ele não aparece, como fico?

Só tinha uma alternativa: falar com o próprio Roberto Carlos. Liguei no União São João e me passaram o número do apartamento que o lateral morava. Liguei e quem atendeu foi Beto Medici, que era zagueiro do time de Araras.

Eu disse que precisava falar com o Roberto Carlos para confirmar a presença dele no jogo do dia seguinte. E Medici garantiu:

– Pode confirmar sim. Ele vai. Até me convidou para ir junto, mas já tenho outro compromisso. Mas ele vai sim. É certeza.

Fiquei mais aliviado. Com a garantia de Beto Medici (recentemente descobri que o mesmo é amigo do glorioso Maurício Fioretti, ex-árbitro e diretor da Agente Viagens de Americana), fiz a matéria anunciando a presença de Roberto Carlos, à época com 19 anos, mas já muito conhecido no mundo da bola.

No sábado, dia 12 de dezembro de 1992, o jogo estava marcado para as 16 horas. Ainda com um ponto de interrogação na cabeça quanto à presença dele, decidi ir para o Parque Dona Albertina bem mais cedo, por volta das 14h30.

Pensei comigo: “Se o Roberto Carlos não aparecer, invento uma dor de barriga e vou embora para não ser ‘linchado` pelos amigos e pelo público.”

E quando chego em Carioba, vejo um Kadett branco conversível estacionado. Um carro daquele estilo, em 1992, só poderia ser de um jogador de futebol. Bingo! Dentro dele, Roberto Carlos. Ao me aproximar, ele desce do possante.

– Fala Roberto, maravilha?! Sou Zaramelo, do jornal O Liberal. Muito obrigado por ter vindo.

– Opa, eu que agradeço pelo convite.

Durante uns 20 minutos, pouco mais, pouco menos, ficamos ali trocando ideia sobre futebol. Em seguida, começaram a chegar os amigos, tanto do O Liberal como do Sekabar, que participariam do jogo. Todos ficavam espantados quando viam o lateral e, claro, tiravam fotos com ele, que atendeu a todos com simpatia e humildade.

Por causa do assédio, Roberto Carlos foi o último a ir para o vestiário colocar o uniforme. Quando entrou, foi cumprimentado por Flavinho Trevisan, preparador físico que à época estava no Corinthians junto com o técnico Nelsinho Baptista. O time do Parque São Jorge tinha interesse na contratação do lateral e Flavinho foi logo perguntando:

– E ai Roberto, maravilha? Vai trabalhar comigo no Corinthians?

A resposta, por razões mais que óbvias, alegrou duplamente aos palmeirenses que estavam no acanhado vestiário do Parque Dona Albertina:

– Fala professor, tudo bem com o senhor? Não vou não, professor. A Parmalat comprou meu passe essa semana. Me apresento em janeiro no Palmeiras.

Se eu já daria a camisa 10 para Roberto Carlos, depois dessa então, levou também a tarja de capitão…

No jogo, mesmo com outros profissionais em campo, Roberto Carlos foi o destaque, com técnica acima da média e seus chutes de esquerda que mais pareciam mísseis.

Ed, goleiro do Sekabar, fez várias defesas sensacionais em arremates do lateral – em uma delas, deslocou dois dedos e o pessoal teve que fazer a chamada “redução” (na linguagem popular, procedimento para recolocar no lugar).

Roberto Carlos jogou o tempo todo – claro que ninguém ousaria tirá-lo de campo, mas tínhamos a expectativa que ele jogaria só meio tempo para voltar a Araras mais cedo.

Ao final, com vitória do Amigos do Liberal por 2 a 1, de virada, o lateral ainda ficou mais um tempo “jogando conversa fora” com a galera que estava em Carioba.

Roberto Carlos foi embora quando a noite chegou e disse que, se possível, voltaria para o jogo de dezembro de 1993. Não voltou, pois virou um gigante do futebol e não merecia o castigo de pegar a bola, olhar para a direita e ter que tocar para mim…

A foto do Amigos do Liberal daquele memorável dia mostra, a partir da esquerda: em pé – Tony, Flavinho Trevisan, Hunglis Fernandes, Gilson Mendes, Luiz Carlos, Josemar Estigaribia, Jorge Luiz, Mineiro do Zanaga e o técnico Robertinho “My Boy” Jensen; agachados – Gersinho Andrade, Roberto Carlos, Aritana, Fred Smania, Zaramelo Jr., Agenor Sábio e Ju Jensen.

O Sekabar, do técnico Hamilton, utilizou: Ed, Gilmarzinho, Marquinhos Talasso, Malaca, Nando Bronze, Carlos Kavallo, gerson Silva, Marcos Meneghel, Betinho Ricardo, Pimenta, Zimba, Manzi, João Frezzarin, Elson, Bolinha e Guina Costa.

Peço desculpas aos amigos do Seka, mas não tenho a foto deles neste jogo – se alguém tiver, entre em contato que publico numa próxima edição.

Até a próxima e segue O JOGO…